Apesar de os estudos mostrarem que uma em cada três mulheres na primeira gravidez (supostamente com assoalho pélvico íntegro) vai apresentar algum tipo de disfunção no primeiro ano do pós-parto, a ginecologista Cláudia Soares Laranjeira diz que a grande maioria das disfunções são reversíveis quando diagnosticadas e tratadas. E, quanto mais cedo, melhor.
A funcionária pública aposentada Nadir dos Santos Dorela, 61 anos, recebeu o diagnóstico de incontinência urinária por esforço há dois anos, mas o desconhecimento geral sobre o tratamento para o problema é bem exemplificado por ela. “Aos 48 anos eu já observava que quando eu dava uma gargalhada, tossia ou carregava peso vazava urina. É um problema que me incomodou por muito tempo. Era tão desagradável que eu evitava ir a determinados lugares. Quando não era possível, usava absorventes para tentar minimizar o desconforto”, relata.
Durante a gestação e o parto os músculos ficam sobrecarregados e podem causar um desequilíbrio da musculatura do assoalho pélvico por lesões mecânicas ou neurológicas.
Acompanhamento especializado traz benefícios e evita complicações; estudos mostram que 33% das mulheres serão afetadas pela incontinência urinária na gravidez e/ou após o parto.
O Brasil passa por um momento de mudança no modelo de assistência obstétrica no pré-natal, parto e pós-parto. O alto índice de cesariana – a média é de 56% frente a uma recomendação da Organização Mundial de Saúde de 15% – coloca o país como campeão mundial na forma de nascer via cirurgia, o que é, inclusive, considerado uma epidemia pela OMS. Já o excesso de intervenções no parto normal, sem respeitar a fisiologia natural do corpo, também é cada vez mais confrontado pelas evidências científicas. Gestantes e bebês têm direito a uma experiência melhor em um momento tão importante: dar à luz e nascer.
Muitas coisas precisam mudar e um caminho efetivo é a informação. Nesta semana, Belo Horizonte sedia o 8º Congresso Mineiro de Ginecologia e Obstetrícia e o tema escolhido para as palestras gratuitas, abertas ao público, relacionam o impacto da gestação e do parto no assoalho pélvico e suas principais consequências para a saúde da mulher, como incontinência urinária, incontinência fecal e dor na relação sexual. Já está consolidado na literatura médica que 33% das mulheres serão afetadas pela incontinência urinária na gravidez e/ou após o parto.
No país, não existe garantia de que a gestante será informada da necessidade de não apenas fazer uma avaliação da musculatura do assoalho pélvico, mas também de exercitar esses músculos que, se corretamente trabalhados, têm função fundamental para facilitar o parto normal. A alta incidência de cesarianas – que chega a 85% na rede privada – é um dos motivos dessa lacuna, já que existe uma relação equivocada entre parto normal e prejuízos na vida sexual e a gravidez em si não é associada aos impactos no assoalho pélvico, portanto, médico e paciente não conversam sobre o assunto. Preventivamente falando, bom seria se o cartão de pré-natal contivesse esse grupo muscular entre os itens a serem acompanhados pelos profissionais de saúde durante os meses de gravidez.
O assoalho pélvico é o chão da pelve ou o grupo muscular responsável pela sustentação, contenção e suspensão dos órgãos pélvicos como bexiga, útero, ovários e a parte final do intestino. Diretora científica da Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), a ginecologista Cláudia Soares Laranjeira explica que o assoalho pélvico não é só músculo: “É composto também por um tecido bem fino que recobre a musculatura (fascia) e ligamentos gerados pelas fascias que fixam a musculatura ao osso. A esse conjunto de estruturas (músculo, fascia e ligamento) damos o nome de assoalho pélvico”, resume.
Professora da Faculdade de Ciências Médicas, autora e organizadora do livro Fisioterapia aplicada à saúde da mulher, Elza Baracho explica que a funcionalidade dos músculos do assoalho pélvico envolve componentes como controle, resistência, força e tônus. Se, por exemplo, o tônus muscular está aumentado ou diminuído, pode haver dificuldade de esvaziar bexiga por completo ou pode se desencadear uma constipação intestinal.
Durante a gestação e o parto os músculos ficam sobrecarregados e podem causar um desequilíbrio da musculatura do assoalho pélvico por lesões mecânicas ou neurológicas. “A perfeita ligação dessa musculatura garante o funcionamento adequado do organismo, sendo responsável por garantir a continência urinária, fecal e a função sexual”, reforça Cláudia Soares Laranjeira.
Além da sobrecarga mecânica, os efeitos hormonais da gestação também podem influenciar esse grupo muscular e deixá-lo mais flácido. O nível de progesterona – que tem efeito de relaxamento – fica alto nessa fase e a concentração de colágeno também pode ser reduzida: para o útero crescer, ele precisa estar relaxado”, observa a ginecologista.
Para prevenir as disfunções do assoalho pélvico uma das recomendações é o parto verticalizado, ou seja, nada de mulher deitada na posição ginecológica em caso de parto normal.
A médica afirma que o parto é uma “prova de fogo” para o assoalho pélvico. “No parto normal a mulher precisa de uma musculatura forte o suficiente para distender e uma boa capacidade de estiramento que facilite que o bebê saia sem o risco de lesões. Em partos vaginais instrumentalizados – com o uso de fórceps, por exemplo – a sobrecarga dessa musculatura é ainda maior”, detalha.
O acompanhamento e os exercícios para o assoalho pélvico na gestação têm benefícios comprovados cientificamente de prevenção das incontinências (urinária e fecal) e das disfunções sexuais. Para não vincular ainda mais a associação entre parto normal e prejuízos à vida sexual num país que banalizou a cesariana, a especialista salienta que não se pode garantir que a cesariana protege o assoalho pélvico. “Parto não envolve só músculos”, declara. O Ministério da Saúde alerta, por exemplo, que a cesariana sem indicação aumenta em três vezes o risco de mortalidade materna e em até 120 vezes a probabilidade de o bebê nascer prematuro e ter a síndrome de angústia respiratória.
Para a fisioterapeuta Elza Baracho, toda mulher que tem o desejo de engravidar deveria passar por uma avaliação fisioterápica. Segundo ela, na 21a semana de gravidez o músculo da região perineal muda de forma e essa alteração vai repercutir durante a gravidez e no pós-parto. “Parto normal ou cesariana, a mulher terá alteração na musculatura do assoalho pélvico”, sintetiza.
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